Foi publicado em 27 de Outubro passado o Dec.-Lei 208/2006 onde se apresenta a nova Lei Orgânica do Ministério da Economia e Inovação, a qual vem, entre outras coisas, finalizar uma tendência, iniciada no governo de Durão Barroso, de menorização da Geologia e, principalmente, da responsabilidade que o Estado tem para o conhecimento geológico do território nacional. Com efeito, a estrutura que outrora se chamou Instituto Geológico e Mineiro e que tinha por missão fundamental a aquisição sistemática de conhecimento geológico do território nacional e seus recursos, desempenhando, portanto, o papel de Geological Survey (ou de Serviços Geológicos, como se lhe queira chamar), foi pura e simplesmente reduzida a uma mera área departamental do agora criado e denominado "Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P.". É uma notícia triste que se estava a adivinhar e que indubitavelmente terá consequências penalizantes para o desenvolvimento económico, social e ambiental do país.
Convém recordar que o IGM, extinto numa primeira fase de reestruturação de organismos públicos em 2003 e contra a qual a comunidade geocientífica sempre manifestou a sua total discordância, não era um dos muitos institutos públicos que a dada altura proliferaram neste país. O IGM era o percursor de um outro criado há mais de 150 anos (A Comissão Geológica do Reino, fundada em 1848) com a mesma missão e objectivos.
A missão e competências do Instituto Geológico e Mineiro foram então dispersas por duas instituições diferentes. Criou-se a Direcção Geral de Geologia e Energia, à qual foi atribuída a gestão dos recursos geológicos, tendo as competências científicas sido englobadas nas do INETI - Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação por mera fusão administrativa, conforme explícito na Resolução do Conselho de Ministros nº 198/2005, a qual deu início ao processo em curso de reforma dos laboratórios do estado. Desta fusão resultou uma perda total das sinergias necessárias ao bom cumprimento da missão. Se a perda de autonomia per si constitui factor crítico, mais o é quando as competências se dispersam e não se articulam e quando a missão de serviço público e independente se desvirtua por integração numa instituição de natureza, missão e objectivos bem diferentes. Importa lembrar que o laboratório do profissional de geologia é “o campo”, o que acarreta uma vivência e logística de funcionamento administrativo muito própria, por si só justificativas de autonomia.
Após terem assumido explicitamente que a extinção do IGM foi um erro, ao considerarem que a referida fusão administrativa constituiu uma regressão (Resolução do CM nº 198/2005) e após o relatório do Grupo de Trabalho Internacional para a Reforma dos Laboratórios do Estado que preconiza: Marine Geology, Hydrogeology and Geology, Economic Geology and the Laboratory of Mineral Technologies that constituted the former IGM should be restored to an independent State Laboratory, IGM, não se compreendem as razões que levaram o actual governo a manter sem plena autonomia (técnico-científica, administrativa e financeira) um organismo com a missão típica de Serviços Geológicos.
Mas, qual a importância do conhecimento geológico para a sociedade e qual a necessidade de uma instituição independente e autónoma para proceder à sua aquisição, gestão e valorização?
É um dado adquirido que a sociedade facilmente esquece que o seu desenvolvimento está largamente condicionado pelo substrato rochoso sobre o qual se estabelece. Assim se compreende que em conceito tão actual como o do Desenvolvimento Sustentável a infra-estrutura geológica raramente seja tida em conta, pese embora constituir uma dimensão fundamental para o equilíbrio do nosso planeta. Na realidade, o conhecimento da infra-estrutura da Terra e a compreensão dos fenómenos que nela ocorrem, em suma, o conhecimento geológico, constituem premissa obrigatória para o verdadeiro Desenvolvimento Sustentável.
É o conhecimento geológico que permite compreender as condições que presidem à localização, natureza e quantidade de um enorme leque de recursos naturais essenciais à manutenção da qualidade de vida das populações e seu desenvolvimento económico, como é o caso dos solos, das águas subterrâneas e dos recursos minerais e energéticos. Permite compreender e contribuir para a prevenção de catástrofes associadas a uma grande diversidade de riscos naturais, como sejam os sismos, as erupções vulcânicas e deslizamentos de terrenos e ainda aqueles com repercussões na saúde pública, como as emissões radioactivas naturais de radão e o excesso ou deficiência de elementos traço em solos e águas, como o arsénio, o flúor e o iodo. É também o conhecimento geológico que permite determinar os melhores e mais seguros locais para a construção de edifícios e outras infra-estruturas civis, onde se pode extrair água de boa qualidade para consumo, onde se localizam os melhores locais para a deposição de resíduos consoante a sua natureza, onde se podem construir infra-estruturas subterrâneas como túneis, armazenamento de gás natural, etc., etc. Em suma, o conhecimento geológico é estruturante da sociedade e está na base do Ordenamento do Território.
A detenção de informação geológica é, assim, uma mais-valia de extrema importância e imprescindível às políticas públicas e programas que visam o ordenamento do território, a protecção ambiental, saúde pública e a gestão dos recursos geológicos (energéticos, minerais e hídricos). É neste contexto que a nível mundial a grande maioria dos estados considera a detenção de informação geológica relativa aos seus territórios como um factor estratégico para a sua gestão, valorização e desenvolvimento, razão pela qual detêm a missão de a adquirir, gerir e difundir através de organismos autónomos e independentes da rotatividade do poder político. Ainda recentemente, o agora reeleito Presidente do Brasil, Lula da Silva, afirmou que “o conhecimento geológico é tão importante como a construção de estradas e caminhos-de-ferro”.
O carácter estratégico que este tipo de instituição representa para o desenvolvimento das nações sobrepõe-se largamente a eventuais dificuldades económicas ou orçamentais. Veja-se o caso de estados recentemente criados após o desmantelamento da antiga URSS ou após os acontecimentos na região dos Balcãs em que, mesmo perante as dificuldades inerentes à sua criação, a implementação deste tipo de organismos foi prioritária: Geological Survey of Slovack Republic, Czech Geologial Survey, Lithuanian Geological Survey, Geological Survey of Slovenia, Ukrainian State Geological Research Institute, Geological Survey of Bosnia & Herzegovina, etc.
Em Portugal andamos ao contrário. Se fomos a quarta nação do mundo a implementar uma instituição com as características de Serviço Geológico em 1848, após a extinção do Instituto Geológico e Mineiro em Agosto de 2003, somos das poucas nações em que tal não se verifica!
O processo evolutivo em curso no Estado Português desde há uns anos, que visa o aumento da sua eficiência e competitividade, obriga, sem dúvida, à reformulação de muitas das instituições que o compõem, levando, inclusive, à eventual extinção de algumas. Não nos quer parecer, no entanto, que tal critério de extinção deva ser aplicado às instituições com identidade própria e que desempenham uma missão de carácter estratégico e eminentemente público, como aconteceu com o Instituto Geológico e Mineiro por critérios meramente administrativos e errados do ponto de vista económico e que pelos vistos se teimam em manter. A instituição IGM carrega uma história e identidade própria que importa pesar, pois é evidente: passados mais de 3 anos após a sua extinção o nome IGM ainda se mantém informalmente nos sectores público e privado de algum modo relacionados com o conhecimento geológico do território português, demonstrando a importância e vitalidade que a instituição detinha e ainda detém mesmo extinta. No entanto, numa altura em que no nosso país se faz a apologia do conhecimento científico e em que se anunciam milhões de investimento na área da ciência, o Estado Português relega para um departamento de um Laboratório de Estado a responsabilidade do conhecimento geológico do território nacional. Não é mais do que um prenúncio do descartar total de responsabilidades num futuro a curto prazo.