É UMA DAS FRASES MARCANTES da história do cinema — «Nada está escrito!», afirma Peter O’Toole. A frase cala fundo porque Lawrence da Arábia vence sucessivos obstáculos que pareciam inultrapassáveis, e vence-os por pura força de vontade. É ele que escreve a História. Ou assim o parece. Mas há obviamente coisas escritas e, tal como relembra o crítico Reel Reubenstein, a prová-lo está precisamente essa frase, escrita pelo argumentista Robert Bolt e colocada por ele na boca de T. E. Lawrence.
Parece estar escrito que 2007 não será um bom ano. Os grandes conflitos não prefiguram evolução rápida. Do Iraque, de Israel e da Palestina, da Coreia do Norte e do Irão não parecem vir bons sinais. A economia internacional dá sinais de melhoras, mas não tão fortes que Portugal possa esperar um impulso energético do exterior. A contenção económica veio para ficar. As injecções financeiras foram reduzidas e estão limitadas a algumas áreas transitórias. Pode haver fundos para projectos de investigação, mas há menos para laboratórios e universidades. Pode haver dinheiro para algumas infra-estruturas, mas há menos para a construção e para o investimento. O tecido económico interno continua pouco dinâmico.
Mas o futuro não está ainda escrito e há mudanças ao nosso alcance. Uma área em que isso acontece, e uma área decisiva, é a educação. Depois de um ano em que se avançaram algumas reformas, parece continuar a pairar sobre todos o rescaldo de um conflito entre ministério e professores — um conflito que nada de positivo traz. Há quem tenha a ilusão, e há máquinas de propaganda que parecem alimentar conscientemente essa ilusão, de que para resolver os problemas do ensino é necessário quebrar a classe dos professores. Seriam estes os principais responsáveis pelas insuficiências da nossa escola.
Esta visão, contudo, não só está mal direccionada, como ofusca os problemas essenciais. É verdade que há problemas vários do ensino. É verdade que eles foram ocultados durante muitos anos. E é verdade que isso foi possível pela ausência de responsabilização dos agentes do ensino — entre eles os professores. Mas a ausência de responsabilização deriva da ausência de avaliação; e essa lacuna é da responsabilidade do ministério, ou dos sucessivos ministérios. A avaliação externa e independente tem estado arredada do ensino. E a avaliação de base é a dos estudantes. Sem avaliar o progresso dos alunos não se pode avaliar o trabalho dos professores, nem das escolas, nem dos ministros.
Até há dois anos, no entanto, os estudantes concluíam todo o ensino obrigatório sem um único exame externo. A situação mudou em 2005, com a introdução dos exames de 9º ano em Português e Matemática — exames que foram mantidos em 2006 e que parecem ter vindo para ficar. Mas são apenas dois exames e apenas no término do Ensino Básico. Não há avaliação externa noutras disciplinas. Não há exames em anos intermédios. Introduzir estes outros momentos de avaliação não depende dos professores nem alimenta nenhuma guerrilha com estes agentes essenciais do ensino. De que se está à espera?
No final do Ensino Secundário encontra-se panorama equivalente. Há poucas provas finais e acabam de ser eliminadas algumas, tais como os exames de Filosofia — outra matéria fulcral. Nos cursos tecnológicos foram abolidos por completo os exames. Muitos dos estudantes que hoje obtêm um diploma do Ensino Secundário fazem-nos sem nunca terem feito um exame nacional. Como se permite que isso continue a acontecer?
Para além da avaliação imediata dos estudantes, para além da carreira dos professores e da sua avaliação e promoção, há duas outras medidas que podem vir a decidir o futuro da educação. A primeira é o recrutamento de professores, a sua entrada na carreira, que vai passar a incluir um exame e não a ser feita unicamente com base na nota final de curso. É uma mudança muito positiva e que pode vir a alterar, para melhor, não só a selecção como toda a formação inicial de professores. Com isso, pode-se melhorar o que finalmente importa e que é, evidentemente, o ensino.
Para que esta medida seja eficaz, no entanto, é necessário que este exame de entrada na profissão incida sobre as matérias que o candidato a professor se propõe leccionar. Se isso não acontecer, se as componentes pedagógicas e didácticas tiverem um peso excessivo, propagar-se-ão precisamente os erros que a dogmática doutrina pedagógica dominante em Portugal tem vindo a introduzir no ensino, com as consequências dramáticas que conhecemos. O essencial são os conteúdos programáticos. Nunca ninguém ensinou o que não sabe. Mas sempre houve quem ensinasse — e ensinasse bem — sem precisar de se afogar durante anos nos estudos de pedagogia e de didáctica.
A segunda medida decisiva é a própria formação de docentes. Com as adaptações ao projecto de Bolonha, prefigura-se que a formação de futuros professores seja feita em duas etapas. A primeira, centrada nos conteúdos curriculares. A segunda, na arte de ensinar. A primeira corresponde, na terminologia de Bolonha, ao primeiro ciclo universitário — algo entre a actual licenciatura e os bacharelatos. A segunda corresponde, de acordo com a mesma tipologia, ao segundo ciclo — algo entre as actuais pós-graduações e os mestrados. Fazer com que os candidatos a professores aprendam durante três anos as matérias que se propõem leccionar, mas que depois passem dois anos a esquecê-las e a serem formados em pedagogia e didáctica poderá ser um erro gravíssimo, que viremos a pagar na próxima década.
As carreiras da docência estão praticamente fechadas. Inelutáveis tendências demográficas têm obrigado a uma redução do número de estudantes que entram nas nossas escolas. O insucesso escolar no ensino obrigatório, no secundário e no superior agravam a redução de alunos e o correlativo excedente de candidatos a professores. Poderia parecer que neste momento nada interessa, a não ser esperar. Mas é em alturas como esta que as decisões são urgentes e menos dolorosas. O que em 2007 for decidido pode ditar o que serão os professores e o que será o ensino nos próximos dez a vinte anos. O que o ensino for daqui a dez ou vinte anos ditará o que será o país daqui a vinte ou trinta. Nada está escrito.
Texto do Sorumbático aqui (Adaptado do Expresso)