segunda-feira, junho 03, 2024
Roberto Rossellini morreu há 47 anos...
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Marcadores: cinema, Ingrid Bergman, Isabella Rossellini, Itália, neo-realismo, realizador, Roberto Rossellini
quarta-feira, maio 08, 2024
Roberto Rossellini nasceu há 118 anos
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Marcadores: cinema, Isabella Rossellini, Itália, neo-realismo, realizador, Roberto Rossellini
segunda-feira, abril 15, 2024
Fernando Namora nasceu há 105 anos
Profecia
Nem me disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
— e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue...
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto,
sempre,
que não posso recuar.
Hei-de ir contigo
bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido,
abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores
e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas não sei trocar a minha sorte!
Não venham dizer-me
com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados
à minha febre!
Hei-de gritar,
cair, sofrer
— eu sei.
Mas não quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
Não importa lá chegar...
O que eu quero é ir em frente
sem loas, ópios ou afagos
dos lábios que mentem.
É esta, não é outra, a minha crença.
Raios vos partam, vós que duvidais,
raios vos partam, cegos de nascença!
in Relevos (1927) - Fernando Namora
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Marcadores: Fernando Namora, literatura, neo-realismo, poesia, Universidade de Coimbra
sábado, abril 06, 2024
Porque um Poeta nunca morre, enquanto continua a ser recordado...
(imagem daqui)
A Invenção do Amor
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado
Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo
Um homem e uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A policia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e nas avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique
Antes que a invenção do amor se processe em cadeia
Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos
Chamem as tropas aquarteladas na província
Convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
Todos
Decrete-se a lei marcial com todas as consequências
O perigo justifica-o
Um homem e uma mulher
conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade
É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los
antes que seja demasiado tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas
Fechem as escolas
Sobretudo protejam as crianças da contaminação
uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola é um pequeno triste
Inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo
Vai ser internado
e submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros. É absolutamente vital
que o diagnóstico se faça no período primário da doença
E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
de que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade
Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio
das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas
Procurem os guardas dos antigos universos concentracionários
precisamos da sua experiência onde quer que se escondam
ao temor do castigo
Que todos estejam a postos
Vigilância é a palavra de ordem
Atenção ao homem e à mulher de que se fala nos cartazes
À mais ligeira dúvida não hesitem denunciem
Telefonem à polícia ao comissariado ao Governo Civil
não precisam de dar o nome e a morada
e garante-se que nenhuma perseguição será movida
nos casos em que a denúncia venha a verificar-se falsa
Organizem em cada bairro em cada rua em cada prédio
comissões de vigilância. Está em jogo a cidade
o país a civilização do ocidente
esse homem e essa mulher têm de ser presos
mesmo que para isso tenhamos de recorrer às medidas mais drásticas
Por decisão governamental estão suspensas as liberdades individuais
a inviolabilidade do domicílio o habeas corpus o sigilo da correspondência
Em qualquer parte da cidade um homem e uma mulher amam-se ilegalmente
espreitam a rua pelo intervalo das persianas
beijam-se soluçam baixo e enfrentam a hostilidade nocturna
É preciso encontrá-los
É indispensável descobri-los
Escutem cuidadosamente a todas as portas antes de bater
É possível que cantem
mas defendam-se de entender a sua voz
Alguém que os escutou
deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
lhe lembravam a infância
Campos verdes floridos água simples correndo A brisa das montanhas
Foi condenado à morte é evidente
É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execução
foi necessário amordaçá-lo e mesmo assim desprendia-se dele
um misterioso halo de uma felicidade incorrupta
Impõe-se sistematizar as buscas Não vale a pena procurá-los
nos campos de futebol no silêncio das igrejas nas boîtes com orquestra privativa
Não estarão nunca aí
Procurem-nos nas ruas suburbanas onde nada acontece
A identificação é fácil
Onde estiverem estará também pousado sobre a porta
um pássaro desconhecido e admirável
ou florirá na soleira a mancha vegetal de uma flor luminosa
Será então aí
Engatilhem as armas invadam a casa disparem à queima roupa
Um tiro no coração de cada um
Vê-los-ão possivelmente dissolver-se no ar Mas estará completo o esconjuro
e podereis voltar alegremente para junto dos filhos da mulher
Mais ai de vós se sentirdes de súbito o desejo de deixar correr o pranto
Quer dizer que fostes contagiados Que estais também perdidos para nós
É preciso nesse caso ter coragem para desfechar na fronte
o tiro indispensável
Não há outra saída A cidade o exige
Se um homem de repente interromper as pesquisas
e perguntar quem é e o que faz ali de armas na mão
já sabeis o que tendes a fazer Matai-o Amigo irmão que seja
matai-o Mesmo que tenha comido à vossa mesa e crescido a vosso lado
matai-o Talvez que ao enquadrá-lo na mira da espingarda
os seus olhos vos fitem com sobre-humana náusea
e deslizem depois numa tristeza líquida
até ao fim da noite Evitai o apelo a prece derradeira
um só golpe mortal misericordioso basta
para impor o silêncio secreto e inviolável
Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos horas de recolher
censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência
Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua
No inquérito oficial atónito afirmou
que o homem e a mulher tinham estrelas na fronte
e caminhavam envoltos numa cortina de música
com gestos naturais alheios Crê-se
que a situação vai atingir o climax
e a polícia poderá cumprir o seu dever
Daniel Filipe
Postado por Pedro Luna às 06:00 0 bocas
Marcadores: Cabo Verde, Daniel Filipe, neo-realismo, poesia
terça-feira, março 19, 2024
Manuel Ribeiro de Pavia nasceu há 117 anos (e morreu há 67 anos...)
Manuel Ribeiro de Pavia (Pavia, Mora, 19 de março de 1907 - Lisboa, 19 de março de 1957) foi um pintor e ilustrador português, neo-realista.
Morreu no seu aniversário, aos 50 anos.
A broncopneumonia e o corpo debilitado pela fome crónica e pelo orgulho sorbebo cortaram a meio a obra do mais estimado ilustrador português.
No quarto da pensão onde vivia, na Rua Bernardim Ribeiro, em Lisboa, acompanharam o seu último alento alguns escritores para quem generosamente desenhava os livros que vieram a constituir o coração do Neorrealismo português dos anos 40 e 50 do século passado.
Avesso à pintura de cavalete e aos circuitos de validação do mundo das artes plásticas, criou algumas das mais belas capas daqueles anos para o escol da intelectualidade da época, de Alves Redol a Namora, de Antunes da Silva a Domingos Monteiro, de Tolstoi a Dostoievski, e para emblemáticas editoras como a Portugália, a Guimarães, a Inquérito e a Sociedade de Expansão de Cultura. O feitio esquivo e a obsessão pelo Alentejo natal fizeram dele, sobretudo a partir da sua morte, um ícone para os oposicionistas do Estado Novo, que grafaram na revista Vértice uma rara homenagem, criando uma linda imortal à volta do artista a quem José Gomes Ferreira apelidava carinhosamente de " Príncipe Sem Vintém".
in Wikipédia
(imagem daqui)
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quarta-feira, março 13, 2024
João José Cochofel morreu há quarenta e dois anos...
João José de Melo Cochofel Aires de Campos (Coimbra, 17 de julho de 1919 – Lisboa, 14 de março de 1982), foi um poeta, ensaísta e crítico literário e musical português.
in Wikipédia
XIII
Faze que a vida seja o que te nega
A luta é tua - fá-la
Agora, os sonhos em farrapos,
melhor é a luta que pensá-la
Ergue com o vigor do teu pulso;
solda-o em aço
E da tua obra afirma:
- Sou o que faço.
in Sol de Agosto (1941) - João José Cochofel
Postado por Fernando Martins às 00:42 0 bocas
Marcadores: João José Cochofel, neo-realismo, Novo Cancioneiro, poesia
segunda-feira, março 11, 2024
Manuel da Fonseca morreu há trinta e um anos
Biografia
Foi para a escola e aprendeu a ler
e as quatro operações, de cor e salteado.
Era um menino triste:
nunca brincou no largo.
Depois, foi para a loja e pôs a uso
aquilo que aprendeu
— vagaroso e sério,
sem um engano,
sem um sorriso.
Depois, o pai morreu
como estava previsto.
E o Senhor António
(tão novinho e já era «o Senhor António»!...)
ficou dono da loja e chefe da família...
Envelheceu, casou, teve meninos,
tudo como quem soma ou faz multiplicação!...
E quando o mais velhinho
já sabia contar, ler, escrever,
o Senhor António deu balanço à vida:
tinha setenta anos, um nome respeitado...
— que mais podia querer?
Por isso,
num meio-dia de Verão,
sentiu-se mal.
Decentemente abriu os braços
e disse: — Vou morrer.
E morreu!, morreu de congestão...
in Planície (1941) - Manuel da Fonseca
Postado por Fernando Martins às 00:31 0 bocas
Marcadores: comunistas, literatura, Manuel da Fonseca, neo-realismo, Novo Cancioneiro, poesia
sexta-feira, março 01, 2024
Vergílio Ferreira morreu há vinte e oito anos...
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Marcadores: existencialismo, literatura, Manhã Submersa, Melo, neo-realismo, Serra da Estrela, Vergílio Ferreira
quarta-feira, janeiro 31, 2024
Fernando Namora morreu há trinta e cinco anos...
A Mais Bela Noite do Mundo
Hoje,
será o fim!
Hoje
nem este falso silêncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!
Nem o luar, pano baço de cenário velho,
escutando
a minha prisão de viver
a lição que me ditavam:
- Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
são perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores – o dia!
- Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!
(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na máscara de papelão).
Eram inúteis e magoadas as noites da minha rua...
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.
- Amanhã,
terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectáculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.
Amanhã,
será o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.
(Era esta a voz do papão
que acendia a vela, tinha regaço de sombra
e velava
as noites da minha rua e a minha vida
e pintava-se de belo
na máscara de papelão).
Hoje,
será o fim!
Hoje,
nem a sombra do que há-de vir,
nem os mestres, nem os amigos, nem os livros,
nem a fragilidade dos meus pés
feitos de barro e cansaço!
Todas as minhas revoltas domadas,
todos os meus gestos em meio
e as minhas palavras sufocadas
terão a sua hora de viver e amar!
Hoje,
nem o cadáver a sorrir na morgue,
nem as mãos que ficaram angustiosas,
arrepiadas
no seu medo de findar!
Hoje,
será a mais bela noite do mundo!
in Mar de Sargaços (1940) - Fernando Namora
Postado por Fernando Martins às 00:35 0 bocas
Marcadores: Fernando Namora, literatura, Medicina, neo-realismo, Novo Cancioneiro, poesia, Universidade de Coimbra
domingo, janeiro 28, 2024
Vergílio Ferreira nasceu há 108 anos...
Postado por Fernando Martins às 01:08 0 bocas
Marcadores: existencialismo, literatura, Manhã Submersa, Melo, neo-realismo, Serra da Estrela, Vergílio Ferreira
sexta-feira, dezembro 29, 2023
Alves Redol nasceu há 112 anos
António Alves Redol (Vila Franca de Xira, 29 de dezembro de 1911 – Lisboa, 29 de novembro de 1969), foi um escritor, considerado como um dos expoentes máximos do neo-realismo português.
Tem doze anos, mas não deitou muito corpo para a idade. Ainda está a tempo. Um homem cresce até o fim da vida, se não em altura, pelo menos em obras e ambições. E nisso promete.
Por voto do padrinho e assentimento dos pais, recebeu no registo o nome de Constantino. É um nome bonito, sim senhor.
in Constantino, Guardador de Vacas e Sonhos (1962) - Alves Redol
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