A
Comuna de Paris foi o primeiro governo
operário da história, fundado em 1871 na capital
francesa, durante a resistência popular ante a invasão por parte do
Reino da Prússia e
II Reich.
A história moderna regista algumas experiências de regimes comunais, impostos como afirmação revolucionária da autonomia da cidade. A mais importante delas - a Comuna de Paris - veio na sequência da
insurreição popular de 18 de março de 1871. Durante a
guerra franco-prussiana, as províncias francesas elegeram para a
Assembleia Nacional Francesa uma maioria de deputados monárquicos, francamente favorável à capitulação ante a Prússia. A população de Paris, no entanto, opunha-se a essa política.
Louis Adolphe Thiers, elevado à chefia do gabinete conservador, tentou esmagar os insurretos. Estes, porém, com o apoio da
Guarda Nacional, derrotaram as forças legalistas, obrigando os membros do governo a abandonar precipitadamente
Paris, onde o comité central da Guarda Nacional passou a exercer a sua autoridade. A Comuna de Paris - considerada a primeira
república proletária da história - adotou uma política de caráter
socialista, baseada nos princípios da
Primeira Internacional dos Trabalhadores.
O poder comunal manteve-se durante cerca de quarenta dias. O seu esmagamento revestiu-se de extrema crueldade. De acordo com a
enciclopédia Barsa, mais de 20.000
communards foram executados pelas forças de Thiers.
O governo durou oficialmente de 26 de março a 28 de maio, enfrentando não só o invasor alemão como também tropas francesas, pois a Comuna era um movimento de revolta ante o
armistício assinado pelo governo nacional (transferido para
Versalhes) após a derrota na guerra franco-prussiana. Os alemães tiveram ainda que libertar militares franceses feitos
prisioneiros de guerra para auxiliar na tomada de Paris.
O Governo Provisório, com sede na prefeitura de Paris, iniciou um processo de capitulação da
França entregando a maior parte de seu exército permanente, bem como as suas armas, a contragosto da população parisiense. O único contingente agora armado era a Guarda Nacional, formada na sua maior parte por operários e alguns membros da pequena burguesia.
Convictos na resistência ao exército estrangeiro, a Guarda Nacional assaltou a prefeitura e expulsou os membros da assembleia, que se instalariam em
Versalhes. A administração pública de Paris, que agora se encontrava nas mãos do Comité Central da Guarda Nacional, manteria conversações com Versalhes até 18 de março, quando o presidente Thiers mandou desarmar a Guarda Nacional numa operação sigilosa, durante a madrugada daquele dia. Apanhada de surpresa, a população parisiense expulsa o contingente de Thiers, dando início à independência política de Paris frente à Assembleia de Versalhes, culminando com a eleição e a declaração da Comuna, em 26 e 28 de março.
O governo revolucionário foi formado por uma federação de representantes de bairro (a guarda nacional, uma milícia formada por cidadãos comuns). Uma das suas primeiras proclamações foi a "abolição do sistema da
escravidão do salário de uma vez por todas". A guarda nacional misturou-se aos soldados franceses, que se amotinaram e massacraram os seus comandantes. O governo oficial, que ainda existia, fugiu, juntamente com as suas tropas leais, e Paris ficou sem autoridade. O Comité Central da federação dos bairros ocupou este vácuo, e instalou-se na prefeitura. O comité era formado por
Blanquistas, membros da
Associação Internacional dos Trabalhadores,
Proudhonistas e uma miscelânea de indivíduos não-afiliados politicamente, a maioria trabalhadores braçais, escritores e artistas.
Eleições foram realizadas, mas obedecendo à lógica da
democracia direta em todos os níveis da administração pública. A polícia foi abolida e substituída pela guarda nacional. A educação foi secularizada, a previdência social foi instituída, uma comissão de inquérito sobre o governo anterior foi formada, e se decidiu por trabalhar no sentido da abolição da escravidão do salário. Noventa representantes foram eleitos, mas apenas 25 eram trabalhadores e a maioria foi constituída de pequenos-burgueses. Entretanto, os revolucionários eram maioria. Em semanas, a recém nomeada Comuna de Paris introduziu mais reformas do que todos os governos nos dois séculos anteriores combinados:
- O trabalho noturno foi abolido;
- Oficinas que estavam fechadas foram reabertas para que cooperativas fossem instaladas;
- Residências vazias foram desapropriadas e ocupadas;
- Em cada residência oficial foi instalado um comité para organizar a ocupação de moradias;
- Todas os descontos do salário foram abolidos;
- A jornada de trabalho foi reduzida, e chegou-se a propor a jornada de oito horas;
- Os sindicatos foram legalizados;
- Instituiu-se a igualdade entre os sexos;
- Projetou-se a autogestão das fábricas (mas não foi possível implantá-la);
- O monopólio da lei pelos advogados, o juramento judicial e os honorários foram abolidos;
- Testamentos, adoções e a contratação de advogados tornaram-se gratuitos;
- O casamento tornou-se gratuito e simplificado;
- A pena de morte foi abolida;
- O cargo de juiz tornou-se eletivo;
- O calendário revolucionário foi novamente adotado;
- O Estado e a Igreja foram separados; a Igreja deixou de ser subvencionada pelo Estado e os espólios sem herdeiros passaram a ser confiscados pelo Estado;
- A educação tornou-se gratuita, secular, e compulsória - escolas noturnas foram criadas e todas as escolas passaram a ser de sexo misto;
- Imagens religiosas foram derretidas e sociedades de discussão foram adotadas nas Igrejas;
- A Igreja de Brea, erguida em memória de um dos homens envolvidos na repressão da Revolução de 1848, foi demolida. O confessionário de Luís XVI e a coluna Vendôme também;
- A Bandeira Vermelha foi adotada como símbolo da Unidade Federal da Humanidade;
- O internacionalismo foi posto em prática: o facto de se ser estrangeiro tornou- se irrelevante; os integrantes da Comuna incluíam belgas, italianos, polacos, húngaros;
- Instituiu-se um escritório central de imprensa;
- Emitiu-se um apelo à Associação Internacional dos Trabalhadores;
- O serviço militar obrigatório e o exército regular foram abolidos;
- Todas as finanças foram reorganizadas, incluindo os correios, a assistência pública e os telégrafos;
- Havia um plano para a rotação de trabalhadores;
- Considerou-se instituir uma Escola Nacional de Serviço Público, da qual a atual ENA francesa é uma cópia;
- Os artistas passaram a autogestionar os teatros e editoras;
- O salário dos professores foi duplicado.
O
governo oficial, agora instalado em
Versalhes e sob o comando de
Thiers, fez a paz com o
Império Alemão para que tivesse tempo de esmagar a Comuna de Paris. Como acordado entre os dois países, a Alemanha libertou
prisioneiros de guerra para compor as forças que o exército francês usaria contra a
Comuna. Esta possuía menos de 15.000 milicianos, defendendo a cidade contra o exército de 100.000 soldados, sob o comando de Versalhes.
Assim como durante o período da comuna, na sua queda os revolucionários destruíram os símbolos do
Segundo Império Francês - prédios administrativos e palácios - e executaram reféns, em sua maioria
clérigos,
militares e
juízes. Na perspectiva dos
communards, derrubar a velha ordem e tudo que com ela tinha vínculo era preciso para que novas instituições pudessem florescer.
Ao todo, a Comuna de Paris executou cem pessoas e matou outras novecentas na defesa da cidade. As tropas de Thiers, por outro lado, executaram 20.000 pessoas, número que, somado às baixas em combate, provavelmente alcançou a cifra dos 80.000 mortos. 40.000 pessoas foram presas e muitas delas foram torturadas e executadas sem qualquer comprovação de que fossem de facto membros da Comuna. As execuções só pararam por medo de que a quantidade imensa de cadáveres pudesse causar uma
epidemia de doenças.
A Comuna é considerada, por grupos políticos revolucionários posteriores (anarquistas, comunistas, situacionistas), como a primeira experiência moderna de um governo popular. Um acontecimento histórico resultante da iniciativa de grupos revolucionários e da espontaneidade política das massas, no meio de circunstâncias dramáticas, de uma guerra perdida (
Guerra franco-prussiana) e de uma
guerra civil em curso.
Cadáveres de communards executados