Família
Filho de Romano Carlos de Oliveira (Funchal, Monte,
batizado a 26 de novembro de 1895) e de Maria Ester dos Anjos Luís
Bernardes (c. 1900 - 1938), tinha duas irmãs, Maria Regina e Maria
Elora. Herberto Hélder nasceu no n.º 284 da Rua da Carreira, numa casa que pertencia à família do cientista e naturalista madeirense Adolfo César de Noronha.
Casou duas vezes: com Maria Ludovina Dourado Pimentel (de quem
teve uma filha, Gisela Ester Pimentel de Oliveira, por casamento Lopes da
Conceição) e com Olga da Conceição Ferreira Lima.
Foi pai do jornalista Daniel Oliveira, nascido da relação que teve com Isabel Figueiredo.
Biografia
É considerado um dos mais originais
poetas da
língua portuguesa. Era uma figura
misantropa,
e em torno de si pairava uma atmosfera algo misteriosa, uma vez que
recusava a receber prémios e se negava a dar entrevistas. Em
1994 foi o vencedor do
Prémio Pessoa, que recusou.
A sua escrita começou por se situar no âmbito de um
surrealismo tardio. Em
1964 organizou com
António Aragão o "1.º caderno antológico de Poesia Experimental" (
Cadernos de Hoje, MONDAR editores), marco histórico da poesia portuguesa (ver:
Poesia Experimental Portuguesa).
Escreveu entretanto "Os Passos em Volta", um livro que, através de
vários contos, sugere as viagens deambulatórias de uma personagem por
entre cidades e quotidianos, colocando ao mesmo tempo incertezas acerca
da identidade própria de cada ser humano; "
Photomaton e Vox", por sua vez, é uma coletânea de ensaios e textos e também de vários poemas. "Poesia Toda" é o título de uma
antologia pessoal dos seus livros de poesia que tem sido depurada ao longo dos anos. Na edição de
2004
foram retiradas da recolha suas traduções. Alguns dos seus livros
desapareceram das mais recentes edições da
Poesia Toda, rebatizada
Ofício Cantante, nomeadamente Vocação Animal e Cobra.
A crítica literária aproxima sua linguagem poética do universo da alquimia, da mística, da mitologia edipiana e da imagem da Mãe.
Faleceu a 23 de março de 2015, vítima de ataque cardíaco, aos 84 anos, na sua casa, em Cascais.
Menos de dois meses após a sua morte, em maio de 2015, foi publicado o
último livro de originais do poeta, "Poemas canhotos", que tinha
terminado pouco antes de morrer.
(simília similibus)
Quem deita sal na carne crua deixa
a lua entrar pela oficina e encher o barro forte:
vasos redondos, os quadris
das fêmeas - e logo o meu dedo se poe a luzir
ao fôlego da boca: onde
o gargalo se estrangula e entre as coxas a fenda
é uma queimadura
vizinha
do coração - toda a minha mão se assusta,
transmuda,
se torna transparente e viva, por essa força que a traga
até dentro,
onde o sangue mulheril queimado
a arrasta pelos rins e aloja, brilhando
como um coração,
na garganta - o sal que se deita cresce sempre
ao enredo dos planetas: com unhas
frias e nuas
retrato as lunações, talho a carne límpida
- porque eu sou o teu nome quando
te chamas a toda a altura
dos espelhos e até ao fundo, se teus dedos abertos tocam
a estrela
como uma pedra fechada no seu jardim selvagem
entre a água: tu tocas
onde te toco, e os remoinhos da luz e do sal se tocam
na carne profunda: como em toda a olaria o movimento
toca a argila e a torna
atenta
à translação da casa pela paisagem rodando sobre si
mesma - a teia sensível,
que se fabrica no mundo entre a mão no sal
e a potência
múltipla de que esta escrita é a simetria,
une
tudo boca a boca: o verbo que estás a ser cada
tua morte
ao que ouço, quando a luz se empina e a noite inteira
se despenha
para dentro do dia: ou a mão que lanço sobre
esse cabelo animal
que respira no sono, que transpira
como barro ou madeira ou carne salgada
exposta
a toda a largura da lua: o que é grave, amargo, sangrento.
in PHOTOMATON & VOX (1995) - Herberto Helder