
FÓSSIL
As arestas da pedra são redondas
na mão desprevenida que as recebe
evaporadas, gastas pelas ondas
milenárias da praia que amanhece.
Mas são arestas quando, além da polpa
dos dedos mornos, outros dedos frios
aram na pedra o que na pedra é sombra,
numa cadência grave de navios.
Que mar antigo se dilata dentro
do fóssil mudo que já foi bivalve
e surge, aos olhos, coração cinzento,
sedento de uma nova humanidade?
Oiço-lhe o longo, longo chamamento...
– E, de repente, a pedra liquefaz-se.
in Cidade Sem Tempo (1985) - António Luís Moita


