domingo, julho 13, 2025

El-Rei D. João II perdeu o filho e príncipe herdeiro há 534 anos...

   
O Príncipe D. Afonso de Portugal (Lisboa, 18 de maio de 1475 - Santarém, 13 de julho de 1491) era o único filho e herdeiro de D. João II e de D. Leonor, reis de Portugal. O rei tanto adorava este seu filho que, em sua homenagem, batizou de "Príncipe" a ilha mais pequena do arquipélago de São Tomé e Príncipe.
Ainda em criança, D. Afonso casou com a princesa Isabel de Aragão, filha mais velha dos reis católicos. Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão tinham um herdeiro, Juan, que era um jovem frágil, que não deveria chegar à idade adulta. A princesa Isabel era, portanto, a herdeira mais provável das coroas de Castela e Aragão e, como estava casada com o príncipe herdeiro de Portugal, adivinhava-se uma união dos reinos ibéricos, sob a alçada de Portugal. Os réis católicos tentaram manobrar diplomaticamente para dissolver o casamento, sem sucesso, dada a influência portuguesa junto do Papa. A sua causa estava aparentemente perdida, quando um acidente salvou Castela e Aragão de uma anexação.

Afonso morreu de uma queda de cavalo durante um passeio, em Alfange, Santarém, à beira do Tejo. Segundo Bernardo Rodrigues, em os Anais de Arzila, o seu aio era João de Meneses, conde de Cantanhede, e esse acontecimento terá ocasionado nesta personagem um grande traumatismo:

À terça feira Dom João de Meneses não avia de cometer cousa alguma polo que lhe aconteceo na morte do príncipe Dom Afonso, como é notorio e sabido a todos os deste reino. Dizem que estando no Algarve, em um lugar seu que se chama Aljazur, em uma terça feira, lhe dérão cartas d'el-rei Dom João o segundo e do príncipe Dom Afonso seu filho, que fose à corte, e se fez prestes e partio a outra terça feira, e tardando oito dias no caminho chegou a Santarem, donde el-rei e o príncipe estavão, outra terça feira, e dahi a oito dias, outra terça feira, correndo a carreira em Alfange, levando o príncipe pela mão, caio do cavalo, da qual queda logo morreo. Deste tão desestrado caso lhe ficou tão grand odio e agouro que nunca a terça feira cometeo cousa alguma, posto que depois foi capitão d'Arzila e d'Azamor e se lhe oferecêrão casos suficientes; e dizia Dom João que em tal dia se pudesse escusar abrir as portas o faria.

Depois da morte de D. Afonso, D. João II nomeou como sucessor o Duque de Beja, seu primo e cunhado, que viria a governar como D. Manuel I e que casou depois com Isabel, a viúva do infante Afonso.

 
   

   
 
 

 

As primeiras lágrimas de El-Rei 

A M. Pinheiro Chagas

   
I
O príncipe morrera, e logo os cortesãos, 
Em prantos derredor do mortuário leito, 
Erguem a voz em grita aos céus levando as mãos. 
 
II 
El-Rei, João Segundo, a fronte sobre o peito, 
Contempla dos brandões à luz ensanguentada 
O filho, e a dor lhe avinca o grave e duro aspeito. 
 
III 
E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada 
A pouco e pouco sai, reina o silêncio, apenas 
Cortado pelo uivar longínquo da nortada. 
 
IV 
Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas, 
Aquelle rei sinistro, enérgico e tigrino, 
Tinha na frouxa voz modulações serenas. 
V E o filho inerte e mudo! Então num desatino Deixou-se El-Rei cair, ao acaso, num escabelo E quedou-se a pensar no seu atroz destino. VI Um enorme, um confuso e brônzeo pesadelo Caíu-lhe sobre o enfermo espírito enlutado, E o suor inundou-lhe as barbas e o cabelo. VII Talvez que o triste visse, em sonho alucinado. Do Duque de Viseu o espectro vingativo Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado. VIII E escutasse a feroz imprecação que altivo No cadafalso, outrora, o Duque de Bragança Às faces lhe cuspiu com gesto convulsivo.

IX
Súbito ergue-se o Rei, e para o leito avança, E uma lágrima então, embalde reprimida. Das barbas lhe caiu no rosto da criança.

X
A vez primeira foi que El-Rei chorou em vida.
    
Gonçalves Crespo
 

Sem comentários: