José Joaquim Cesário Verde (Lisboa, 25 de fevereiro de 1855 - Lumiar, 19 de julho de 1886) foi um poeta português, sendo considerado um dos precursores da poesia que seria feita em Portugal no século XX.
Filho do lavrador e comerciante José Anastácio Verde e de Maria da
Piedade dos Santos Verde, Cesário matriculou-se no Curso Superior de
Letras em 1873,
mas apenas o frequentou alguns meses. Ali conheceu Silva Pinto, que
ficou seu amigo para o resto da vida. Dividia-se entre a produção de
poesias (publicadas em jornais), destacando-se o semanário Branco e Negro (1896-1898) e a revista O Occidente (1878-1915), e as actividades de comerciante herdadas do pai.
Em 1877
começou a ter sintomas de tuberculose, doença que já lhe tirara o irmão
e a irmã. Estas mortes inspiraram contudo um de seus principais poemas,
Nós (1884).
Tenta curar-se da tuberculose, mas sem sucesso, vem a falecer no dia 19 de julho de 1886. No ano seguinte Silva Pinto organiza O Livro de Cesário Verde, compilação da sua poesia publicada em 1901.
No seu estilo delicado, Cesário empregou técnicas impressionistas, com
extrema sensibilidade ao retratar a Cidade e o Campo, que são os seus
cenários predilectos. Evitou o lirismo tradicional, expressando-se de
uma forma mais natural.
A dicotomia cidade/campo
A supremacia exercida pela cidade sobre o campo leva o poeta a tratar
estes dois espaços em termos dicotómicos. O contacto com o campo na sua
infância determina a visão que dele nos dá e a sua preferência. Ao
contrário de outros poetas anteriores, o campo não tem um aspecto
idílico, paradisíaco, bucólico,
susceptível de devaneio poético, mas sim um espaço real, concreto,
autêntico, que lhe confere liberdade. O campo é um espaço de vitalidade,
alegria, beleza, vida saudável… Na cidade, o ambiente físico, cheio de
contrastes, apresenta ruas macadamizadas/esburacadas, casas apalaçadas
(habitadas pelos burgueses e pelos ociosos)/quintalórios velhos,
edifícios cinzentos e sujos… O ambiente humano é caracterizado pelos
calceteiros, cuja coluna nunca se endireita, pelos padeiros cobertos de
farinha, pelas vendedeiras enfezadas, pelas engomadeiras tísicas, pelas
burguesinhas… É neste sentido que podemos reconhecer a capacidade de
Cesário Verde em trazer para a poesia o real quotidiano do homem
citadino.
Ao ler-se o poema "Da Tarde", pertencente a "Em Petiz", é visível o tom
irónico em relação aos citadinos, mas onde o tom eufórico também
sobressai, ao percorrer os lugares campestres ao lado da sua
"companheira". A preferência do poeta pelo campo está expressa nos
poemas "De Verão" e "Nós" (o mais longo), onde desaparecem a aspereza e a
doença ligadas à vida citadina e surge o elogio ao ambiente campesino.
A arte de Cesário Verde é, pois, reveladora de uma preocupação social e
intervém criticamente. O campo oferece ao poeta uma lição de vida
multifacetada (por exemplo, os camponeses são retratados no seu trabalho
diário) que ele transmite com objectividade e realismo. Trata-se,
pois, de uma visão concreta do campo e não da abstracção da Natureza.
A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe, sendo nela que Cesário
encontra os seus temas. É por isto que, habitualmente, se associa o
poeta ao mito de Anteu.
A mulher em Cesário Verde
Deambulando pelos dois espaços, depara com dois tipos de mulher, que
estão articulados com os locais. A cidade maldita surge associada à
mulher fatal, frívola, calculista, madura, destrutiva, dominadora, sem
sentimentos. Em contraste com esta mulher predadora, surge um tipo
feminino, por exemplo em "A Débil", que é o oposto complementar das
esplêndidas aristocráticas, presentes em poemas como "Deslumbramentos" e
"Vaidosa". Essa mulher é frágil, terna, ingénua e despretensiosa.
A mulher (desfavorecida) do campo é-nos mostrada numa perspetiva
diferente. A vendedora em "Num Bairro Moderno", ou a engomadeira em
"Contrariedades" mostram as características da mulher do povo no campo.
Sempre feias, pobres e por vezes doentes, ou em esforço físico, as
mulheres trabalhadoras são objecto da admiração de Cesário.
"Depois de referir o cenário geral da acção em "Num Bairro Moderno", os olhos do sujeito poético retêm, como uma objectiva, um elemento novo - a vendedeira. A sua caracterização é de uma duplicidade contrastante:
ela é pobre, anémica, feia, veste mal e tem de trabalhar para
sobreviver, mas aparece envolvida numa força quase épica, de "peito
erguido" e "pulsos nas ilhargas", encarnando, pela sua castidade, a
força genuína do povo trabalhador, que Cesário tão bem defende."
A poética de Cesário e as escolas literárias
Podemos afirmar a sua aproximação a várias estéticas, embora seja
visível a proximidade com Baudelaire, por retratar realidades
quotidianas, o que o aproxima dos poetas portugueses do século XX e o
fez incompreendido em seu tempo.
Embora Cesário Verde não pudesse ser enquadrado em nenhuma das escolas
poéticas dos países de língua portuguesa da época podemos dizer que ele
não poderia não estar relacionado às estéticas do seu tempo de alguma
forma. Se se tiver em conta o interesse pela captação do real, por
exemplo, ao considerarmos o tipo de cena a serem retratadas pelas quais
o poeta optou, seus quadros e figuras citadinos, concretos, plásticos e
coloridos, é fácil detectar aqui a afinidade ao Realismo. A ligação aos ideais do Naturalismo
verifica-se na medida em que o meio surge determinante dos
comportamentos. Se considerarmos o fato do poeta figurar plasticamente
uma cena, poderia aproximá-lo, inclusive, do Parnasianismo. Porém, sua obra ainda tem um certo sentimentalismo que remete ao Romantismo e as imagens retratadas, muitas vezes de personagens doentes ou pobres, jamais poderiam ser retratadas por um parnasiano.
Aproxima-se dos impressionistas que captam a realidade mas que a
retratam já filtrada pelas percepções, o que, definitivamente, o
inscreve no quadro dos poetas fundadores da modernidade. Ecos de sua
obra podem ser vistos nos poemas de Fernando Pessoa, parecendo Cesário Verde o predecessor do heterónimo Álvaro de Campos de Opiário e sendo citado várias vezes por Alberto Caeiro.
Importância da representação do quotidiano na poesia de Cesário Verde
A observação das situações do quotidiano é o ponto de partida
preferencial para os poemas de Cesário Verde. É o mundo real, rotineiro,
que é retratado e analisado, servindo de suporte às ideias e
sentimentos do poeta.
Os sujeitos poéticos criados por Cesário Verde são atentos ao que se
passa. Aquilo que para outro transeunte seria uma banalidade é, na
perspectiva do poeta, parte de um quadro do real. Veja-se que antes de
se focar numa situação particular, que prenda a atenção, o poeta dá-nos
uma visão geral do ambiente: "Dez horas da manhã, os
transparentes/Matizam uma casa apalaçada(…)E fere a vista, com brancuras
quentes, a larga rua macadamizada" (em "Num bairro moderno"). Mas,
apesar de existirem situações particulares, estas poderiam ser
integradas no movimento quotidiano de uma rua de uma cidade onde "(…)
rota, pequenina azafamada,/Notei de costas uma rapariga" (em "Num bairro
moderno"), mas que para o sujeito poético tomam uma nova dimensão. Um
processo análogo pode verificar-se em "Cristalizações", onde as
primeiras estrofes constituem uma visão panorâmica, para se focar mais à
frente nos "calceteiros" ou na "actrizita". É essencialmente destacado
o quotidiano urbano, onde o sujeito poético deambula, sendo o poema "O
sentimento de um ocidental" aquele em que é mais clara a descrição do
dia-a-dia como ponto de partida para a revolta contra a vivência
desumana da cidade. Aliás, Cesário Verde está longe de se deixar na
passividade da observação casual, e repara naquilo, que tendo-se tornado
parte de cada dia, é um factor de animalização e doença. Outras vezes,
partindo da realidade, transfigura-a, num impulso salutar, em que tudo
parece tomar formas orgânicas e vivas em oposição ao emparedamento das
ruas da cidade: "Se eu transformasse os simples vegetais, num ser
humano que se mova e exista/Cheio de belas proporções carnais?!".
Linguagem e estilo
Eis algumas das características estilísticas e linguísticas:
vocabulário objectivo; imagens extremamente visuais de modo a dar uma
dimensão realista do mundo (daí poeta-pintor-calceteiro-condutor de
metro); pormenor descritivo; mistura o físico e o moral; combina
sensações; usa sinestesias, metáforas, comparações, hipálage; emprega
dois ou mais adjectivos a qualificar o mesmo substantivo; quadras, em versos decassilábicos ou versos alexandrinos; utilização do "enjambement".
in Wikipédia
Impossível
Nós podemos viver alegremente,
Sem que venham com fórmulas legais,
Unir as nossas mãos, eternamente,
As mãos sacerdotais.
Eu posso ver os ombros teus desnudos,
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura,
E até beijar teus olhos tão ramudos,
Cor de azeitona escura.
Eu posso, se quiser, cheio de manha,
Sondar, quando vestida, pra dar fé,
A tua camisinha de bretanha,
Ornada de crochet.
Posso sentir-te em fogo, escandescida,
De faces cor-de-rosa e vermelhão,
Junto a mim, com langor, entredormida,
Nas noites de verão.
Eu posso, com valor que nada teme,
Contigo preparar lautos festins,
E ajudar-te a fazer o leite-creme,
E os mélicos pudins.
Eu tudo posso dar-te, tudo, tudo,
Dar-te a vida, o calor, dar-te cognac,
Hinos de amor, vestidos de veludo,
E botas de duraque
E até posso com ar de rei, que o sou!
Dar-te cautelas brancas, minha rola,
Da grande loteria que passou,
Da boa, da espanhola,
Já vês, pois, que podemos viver juntos,
Nos mesmos aposentos confortáveis,
Comer dos mesmos bolos e presuntos,
E rir dos miseráveis.
Nós podemos, nós dois, por nossa sina,
Quando o Sol é mais rúbido e escarlate,
Beber na mesma chávena da China,
O nosso chocolate.
E podemos até, noites amadas!
Dormir juntos dum modo galhofeiro,
Com as nossas cabeças repousadas,
No mesmo travesseiro.
Posso ser teu amigo até à morte,
Sumamente amigo! Mas por lei,
Ligar a minha sorte à tua sorte,
Eu nunca poderei!
Eu posso amar-te como o Dante amou,
Seguir-te sempre como a luz ao raio,
Mas ir, contigo, à igreja, isso não vou,
Lá essa é que eu não caio!
Sem comentários:
Enviar um comentário