Cristina Peri Rossi (Montevidéu, 12 de novembro de 1941) é uma romancista, poetisa, tradutora e autora de contos uruguaia. Em 1972, quando o golpe de Estado iminente a forçou a deixar sua terra natal por causa de seu ativismo político, exilou-se na cidade de Barcelona, onde reside até hoje . Durante a sua carreira, ela trabalhou como professora, além de se destacar como romancista, poetisa, contista e ensaísta. Também colabora frequentemente em revistas e publicações periódicas internacionais.
A autora aborda questões que exploram as complexidades das relações humanas, género e sexualidade. Os seus poemas são bem marcantes, com uma estrutura que mistura narrativa, confissão e metafísica. Por meio das suas obras, Peri Rossi também critica o autoritarismo, a opressão e luta pela liberdade e justiça.
Como exilada uruguaia, a sua experiência pessoal de deslocamento e busca por pertença ecoa na sua escrita, na qual temas de exílio são frequentemente explorados. A escritora é a única mulher incluída dentro do chamado boom latino americano, movimento que incorpora nomes influentes da literatura nas décadas de 1960 e 1970 como Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e Carlos Fuentes.
Peri Rossi ganhou o Prémio Miguel de Cervantes em 2021.
in Wikipédia
Assombro
Ensina-me
– dizes, com os
teus vinte anos
ávidos, julgando ainda que alguma coisa
se pode ensinar,
e eu, que passei dos sessenta,
olho-te com amor,
quer dizer, com distância
(todo amor é amor das diferenças
do espaço vazio entre dois corpos
do espaço vazio entre duas mentes
do pressentimento horrível de não morrer a dois)
e eu
ensino-te, calmamente, alguma citação de Goethe
(‘detém-te, instante, és tão belo’)
ou de Kafka (‘em tempos houve, houve em tempos
uma sereia que não cantou’)
enquanto
a noite lentamente desliza para a aurora
coada por esta grande janela
que amas tanto
por suas luzes noturnas
ocultarem a cidade verdadeira
e na
verdade podíamos estar em qualquer lado
estas luzes podiam ser as de Nova Iorque, avenida
Broadway, ou de Berlim, Konstanzerstrasse,
ou Buenos Aires, calle Corrientes
e
escondo-te a única coisa que verdadeiramente sei,
que só é poeta quem sinta que a vida não é natural
que é assombro
descoberta revelação
que não é normal estar vivo
não é natural ter vinte anos
nem tão pouco mais de sessenta
não é
normal caminhar às três da manhã
pela ponte antiga de Córdoba, Espanha,
com a luz amarela dos candeeiros,
não é natural o perfume das laranjeiras nas praças
- três da manhã -
seja em Oliva seja em Sevilha,
o natural é o assombro
o natural é a surpresa
o natural é viver como recém-chegada ao mundo
aos becos de Córdoba e suas arcadas
às praças de Paris
à humidade de Barcelona
ao museu de bonecas
no velho vagão estacionado
nas linhas mortas de Berlim
O natural é morrer
sem
passear de mão dada
nas portas de uma cidade desconhecida
nem sentir o perfume dos brancos jasmins em flor
às três da manhã,
meridiano de Greenwich
o
natural é que quem tiver passeado de mão dada
às portas de uma cidade desconhecida
não o escreva
que o afunde no caixão do olvido
A vida
brota por todo o lado
consanguínea
ébria
bacante exagerada
em noites de turvas paixões
mas havia uma fonte que rumorejava
languidamente
como uma pausa
como uma trégua que a morte
concede ao prazer.
Cristina Peri Rossi
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