quinta-feira, março 08, 2012

O poeta e pedagogo João de Deus nasceu há 182 anos

Estátua a João de Deus no Jardim da Estrela 
João de Deus de Nogueira Ramos (São Bartolomeu de Messines, 8 de março de 1830 - Lisboa, 11 de janeiro de 1896), mais conhecido por João de Deus, foi um eminente poeta lírico, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita, que teve grande aceitação popular, sendo ainda utilizado. Gozou de extraordinária popularidade, foi quase um culto, sendo ainda em vida objecto das mais variadas homenagens e, aquando da sua morte, sepultado no Panteão Nacional. Foi considerado o poeta do amor.

(...)

Na literatura da sua época, João de Deus ocupou uma posição singular e destacada. Surgido nos finais do ultra-romantismo, aproximou-se da tradição folclórica de forma mais conseguida que qualquer outro escritor romântico português. A sua poesia distinguiu-se, sobretudo, pela grande riqueza musical e rítmica.
Grande parte da sua obra poética está presente em Flores do Campo (publicada em 1868), Folhas Soltas (1876) e Campos de Flores. Esta última obra, publicada em 1893, além de conter outros poemas, engloba também o conteúdo de "Flores do Campo" e "Folhas Soltas", pelo que funciona como uma colectânea da sua obra poética.
Foi, ainda, autor de fábulas e de obras destinadas ao teatro, estas na maior parte dos casos traduções e adaptações de autores estrangeiros. Grande parte da sua produção em prosa foi reunida na colectânea Prosas.
Mas a sua obra mais importante viria a ser a Cartilha Maternal, um método destinado a ajudar a aprendizagem da leitura a criança, que ainda hoje mantém seguidores.


Saudade


Tu és o cálice;
Eu, o orvalho!
Se me não vales,
Eu o que valho?


Eu se em ti caio
E me acolheste
Torno-me um raio
De luz celeste!


Tu és o colo
Onde me embalo,
E acho consolo,
Mimo e regalo:


A folha curva
Que se aljofara,
Não d'água turva,
Mas d'água clara!


Quando me passa
Essa existência,
Que é toda graça,
Toda inocência,


Além da raia
D'este horizonte -
Sem uma faia,
Sem uma fonte;


O passarinho
Não se consome
Mais no seu ninho
De frio e fome,


Se ela se ausenta,
A boa amiga,
Ah! que o sustenta
E que o abriga!


Sinto umas mágoas
Que se confundem
Com as que as águas
Do mar infundem!


E quem um dia
Passou os mares
É que avalia
Esses pesares!


Só quem lá anda
Sem achar onde
Sequer expanda
A dor que esconde;


Longe do berço,
Morrendo à mingua,
País diverso...
Diversa língua...


Esse é que sabe
O meu tormento,
Mal se me acabe
Aquele alento!


Ah, nuvem branca
Ah, nuvem d'oiro!
Ninguém me estanca
Amargo choro;


E assim que passes
Mesmo de largo...
Vê n'estas faces
Se há pranto amargo.


Tu és o norte
Que me desvias
De ir dar à morte
Todos os dias;


A larga fita
Que d'alto monte
Cerca e limita
O horizonte!


Tu és a praia
Que eu solicito!
Tu és a raia
D'este infinito!


Se há uma gruta
Onde me esconda
À força bruta
Que traz a onda;


À força imensa
D'esta corrente
D'alma que pensa,
Alma que sente;


Se há uma vela,
Se há uma aragem,
Se há uma estrela,
N'esta viagem...


É quem eu amo,
A quem adoro!
E por quem chamo!
E por quem choro!


in Ramo de Flores - João de Deus

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