segunda-feira, abril 25, 2011

Hoje é preciso celebrar o pouco que restou do 25 de Abril

(imagem daqui)

Somos um país que viveu 16 anos de anarquia na I República, 48 anos de ditadura na II República e muita esperança no início da III República. Hoje somos um arremedo de país, atafulhados em dívidas, governados por gente sem escrúpulos, um bando de mentirosos que insiste em levar um país com quase nove séculos ao fundo.

Celebremos a esperança, que o 25 de Abril de 1974 deu à poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, com três dos seus poemas...

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Revolução

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta

Como puro ínicio
Como tempo novo
Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

27 de Abril de 1974


Nesta hora

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exilio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo
É preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão

Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção -

Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste.

20 de Maio de 1974

in O nome das coisas (1977) - Sophia de Mello Breyner Andresen

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